Quem vigia os vigilantes


Churchill, com certeza, tinha razão ao afirmar que “a guerra é um assunto sério demais para ser deixado nas mãos dos militares”. Será que o mesmo se aplicaria ao Estado, que, como acreditam muitos, não deveria ficar nas mãos dos políticos escolhidos pelo voto popular, mas nas mãos “isentas” dos técnicos? “Nós fomos eleitos e esse pessoal manda mais do que a gente. Como é que pode?”, desabafou recentemente o vice-presidente José Alencar, referindo-se à autonomia das chamadas agências reguladoras. “O modelo de agências autônomas existe para restringir o poder discricionário dos políticos, para o bem do país e deles próprios. É preciso vigilância contra idéias como as de Alencar, que desprezam mais de 800 anos de evolução institucional, sem a qual a humanidade estaria vivendo na Idade Média”, rebateu o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

As agências foram dotadas de autonomia com o propósito de colocar certas questões fora da esfera política de curto prazo, para dar continuidade às políticas do planejamento de longo prazo e para evitar suspeitas de favorecimento. Tudo seria feito em prol do interesse público, alvo permanente da ação reguladora.
A fraqueza maior das reguladoras adverte o estudo, estaria relacionada, pasmem, com sua força. “Há a possibilidade de uma agência independente poder tornar-se tão forte ou tão independente que venha a se comportar como um poder dentro do Estado e, se não contida, pode ir além do papel visado para ela ao tempo de sua criação.” Ou, nas palavras de Abrucio e Pó, “a proliferação de agências reguladoras pode levar ao fenômeno da ‘agencificação’, trazendo novos desafios à democracia, ao criar domínios controlados por burocracias técnicas com pouca ou nenhuma responsabilização pública, a chamada accountability” (HAAG 2007).
Nossos gestores parecem não saber que um plano de obras de infraestrutura é muito mais do que uma lista de obras paradas por falta de verba ou por incompetência de gestões anteriores. É resultado da identificação do atual cenário econômico e das projeções futuras.
Com planejamento no longo prazo cuidadosamente elaborado, profissionais tecnicamente competentes, processos licitatórios coerentes e bem conduzidos, fiscalização atenta, constante séria, recursos financeiros suficientes e disponíveis, gestores públicos honestos e atuantes, é possível atender, com folga e facilidade, as necessidades do País, pois problemas técnicos existem e são superados desde as pirâmides (AMORIM 2009).
Toda vez que se fala em construir uma grande usina hidrelétrica, por exemplo, Belo Monte, falamos em prazos longos – cinco ou seis anos– para iniciar a operação e dez anos para a conclusão, isso depois de resolvidos todos os problemas ambientais. Por outro lado, uma usina termelétrica, praticamente um kit, modulado, é construído em cerca de 30 a 38 meses (MERLO 2010).
O Brasil possui um potencial hidroelétrico de cerca de 260 GW, o terceiro maior do mundo. Entretanto, apenas 30% desse potencial são atualmente utilizados. Mais recentemente, com o aumento da preocupação com o meio ambiente nos leilões promovidos pelo governo, as usinas hidroelétricas vêm sendo preteridas diante da geração termoelétrica que, apesar de ser mais poluente e aumentar o custo da energia, tem os seus impactos ambientais mais facilmente identificáveis, acelerando assim o processo de licenciamento ambiental. . O progresso tecnológico já permite a construção de grandes hidroelétricas na Amazônia com a utilização de turbinas bulbo, reduzindo a área inundada para formação do reservatório, como ilustrado recentemente no projeto das usinas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira (LA ROVERE e WESTIN 2009).
As controvérsias em relação à hidrelétrica Belo Monte, projetada para ser construída no rio Xingu, são um exemplo das dificuldades encontradas atualmente. Para que ela saia do papel, será necessário inundar áreas de floresta em que vivem tribos indígenas e populações ribeirinhas. Sem falar nas espécies animais e vegetais que teriam seu cicio de vida interrompido. Assim como o projeto dessa usina, ha outros, com potencial conjunto de 12 milhões de quilowatts, que enfrentam problemas de ordem socioambiental e podem não se concretizar. A solução e abrir os olhos para o potencial que o país tem a oferecer, por exemplo, expandindo a produção de energia eólica no Nordeste (GOLDEMBERG 2010).
O instrumento pelo qual se pretende proteger os recursos naturais pelo potencial dano que um empreendimento ou atividade poderia vir a causar é o licenciamento ambiental. Imposto pela Política Nacional do Meio Ambiente - Lei nº 6.938/1981, sua função seria a de conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação do meio ambiente.
O licenciamento ambiental abrange um empreendimento desde a etapa de planejamento (licença prévia), passando pela execução (licença de instalação) e acompanhando-o até sua efetiva operação (licença de operação), a qual é renovável. Instrumento, moderno na sua concepção, permite que se façam ajustes em cada uma de suas etapas. Entretanto, contrariando a concepção da Lei, tornou-se mais um imenso empecilho burocrático que compromete o desenvolvimento da nação, pela insuportável carga que os órgãos ambientais, despreparados para tal demanda, vêm sendo obrigados a suportar neste início do século XXI.
Até o início da década de 2000, com o crescimento da nação sendo obliterada pela quase insuportável carga dos juros, pelas cascatas de impostos e pelo torniquete do crédito, tais dificuldades impediam que a questão aflorasse na sociedade com evidência. Com o ritmo do crescimento econômico alterado pela oferta de crédito, o governo federal deparou-se com projetos de infraestrutura, tais como geração e transmissão de energia e ampliação de portos e aeroportos, sendo reiteradamente postergados por não atenderem às exigências feitas por seus próprios organismos. Exigências que, não raro, não contém nenhum viés ambiental, como a obrigatoriedade de construção de escolas e postos de saúde por empreendedores que se dedicam à construção de, por exemplo, rodovias.
Assim, uma pequena comunidade de técnicos altamente especializados, subitamente, viu-se diante de uma verdadeira montanha de pedidos para o licenciamento de empreendimentos, muito superior a sua capacidade efetiva de atendimento. Essa carga imensurável de projetos requer, para ser satisfatória, de técnicos com conhecimentos bastante diversificados, como Engenharia, Geologia, Biologia e Meteorologia, além de experiência, o que não se obtém de modo simplista, ampliando-se a “linha de montagem” das aprovações. Não fosse suficiente a pressão dos empreendedores, que esperam ver suas solicitações atendidas em prazo razoável, submetem-se também à algazarra de organizações ambientais internacionais que se valem da mídia e do Ministério Público que, diga-se, alcança o técnico, e não a instituição a que este se subordina. O resultado são prazos dos licenciamentos sendo estendidos por meio de pedidos de complementações que impossibilitam ou desfiguram indelevelmente a execução de projetos de Engenharia que permitiriam aos brasileiros usufruir do desenvolvimento e do conforto presente em outras nações. Ou, posto de outra forma, o que o diretor de cinema James Cameron, a atriz Sigourney Weaver e o cantor Sting, entendem de Brasil, de Amazônia ou de nossas necessidades energéticas para se lançarem numa cruzada internacional contra a Usina de Belo Monte?
Trata-se de um empreendimento que é objeto de licenciamento ambiental há mais de 20 anos, em que as restrições impostas por conta do licenciamento ambiental o desfiguraram por completo. De forma alguma devemos tolerar a manifestação de pessoas que cuja ignorância aos problemas da nação é patente (MOLITERNO 2010).
Fontes:
AMORIM, E de S. “Quando não é simples.” Jornal do Instituto de Engenharia, 2009, 50 ed.: 3.
GOLDEMBERG, J. “Por uma matriz limpa.” Nova Escola: Edição especial. Meio Ambiente.(Fundação Victor Civita. Editora Abril.), n. 31 (2010): 47.
HAAG, C. “Quem vigia os vigilantes.” Pesquisa FAPESP (FAPESP), n. 139 (2007): 80-85.
LA ROVERE, E. L., e F. F. WESTIN. “O potencial das hidroelétricas brasileiras e o meio ambiente.” Jornal do Instituto de Engenharia, 2009, 53 ed.: 10-11.
MERLO, J. W. “O país necessita de investimento contínuo em energia.” Jornal do Instituto de Engenharia, 2010, 56 ed.: 5.
MOLITERNO, M. “Licenciamneto ambiental: interesses e poder.” Jornal do Instituto de Engenharia, 2010, 59 ed.: 10.







Eng˚ André Godoi
Environmental Forensic Scientist

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