Uma reportagem especial exibida pelo Fantástico na TV Globo em 17 de julho,mostra
um escândalo que ameaça a saúde pública, causado justamente por quem deveria
cuidar dela.
Para conseguir os
flagrantes, viajamos para cidades do Sudeste, do Centro-Oeste e do Nordeste.
Encontramos resíduos médicos queimados, sem tratamento, lixo hospitalar
enterrado em uma vala comum.
Uma reportagem
especial mostra um escândalo que ameaça a saúde pública, causado justamente por
quem deveria cuidar dela.
O repórter Maurício
Ferraz denuncia uma ameaça à saúde pública e encontra uma grande quantidade de
seringas e agulhas em lixo comum. São áreas de alto risco de contaminação, por
onde passam muitas pessoas e animais. Para conseguir os flagrantes, viajamos
para cidades do Sudeste, do Centro-Oeste e do Nordeste. Encontramos resíduos
médicos queimados, sem tratamento, lixo hospitalar enterrado em uma vala comum.
Na maior cidade do
Brasil, uma denúncia grave: lixo hospitalar misturado com lixo comum no
Hospital São Paulo, um centro de referência na rede pública da capital
paulista. Em um mês de investigação jornalística, flagramos todo o caminho da
irregularidade: da origem, nos hospitais, ao destino final, nos lixões.
Em Campo Grande, no
Mato Grosso do Sul, o lixo do hospital regional, o maior da rede pública do
estado, fica em um depósito, onde há resíduos do Grupo A. De acordo com a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), lixo do Grupo A é o que
apresenta risco de infecção pela possível presença dos chamados agentes
biológicos - ou seja, vírus e bactérias.
O caminhão roda
cerca de 10 quilômetros, entra no lixão e joga tudo lá, sem nenhum tratamento.
Nós fomos conferir
e encontramos frascos de remédios e seringa. Um catador afirma: “jogaram lixo
residencial para tampar o lixo hospitalar”.
Outro caminhão
descarrega material hospitalar. Os funcionários da empresa usam máscaras. Um
córrego passa dentro do lixão de Campo Grande, e há animais por todo lado.
Mostramos as imagens para o professor Arlindo Philippi Júnior, da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Ele diz que o risco de
contrair doenças não se limita aos catadores. Bactérias e vírus podem ser
levados por insetos e animais domésticos.
“Se ele entra na
sua casa, há algum risco de ele levar aquele tipo de contaminante para esse seu
espaço doméstico. Existem estudos epidemiológicos mostrando os problemas de
saúde relacionados à questão da disposição inadequada de resíduos”, aponta
Arlindo.
A empresa que faz a
coleta do lixo hospitalar em Campo Grande disse, por telefone, que foi a
prefeitura que indicou para onde os resíduos devem ser levados. Segundo o
secretário de obras, o problema será resolvido até o fim do ano, com a
construção de um aterro. “Vai existir a usina de beneficiamento de lixo
hospitalar, de acordo com as normas da Anvisa, de todas as normas que envolvem
isso”, afirma João Antonio de Marco, secretário de obras de Campo Grande.
Em Santo Antônio do
Descoberto, em Goiás, a 45 quilômetros de Brasília, o lixo dos 61 mil
habitantes vão para um lixão que fica praticamente dentro da cidade. Flagramos
crianças e adolescentes trabalhando. Um menino de 11 anos ajuda os funcionários
da prefeitura a descarregar o lixo. Registramos o momento em que um caminhão da
prefeitura chega, com lixo comum e lixo hospitalar, tudo junto.
No meio dos
resíduos hospitalares, encontramos muitos cachorros. “Eu posso te garantir que
não é lixo proveniente da Secretaria Municipal de Saúde, ou seja, dos postos de
saúde bem como do hospital”, explica secretário de Saúde, Geraldo Lacerda.
Não foi o que
constatamos no lixão. No local, não encontramos nenhum papel de clínica
particular, só do hospital da prefeitura. “Vou comunicar ao prefeito e pedir à
Policia Civil que investigue para saber de onde está vindo esse lixo”, diz
Geraldo Lacerda.
No Brasil, a maior
parte do lixo hospitalar vai parar em lixões. “Cerca de 60% dos resíduos de
saúde coletados hoje são descartados de maneira inadequada, em locais
impróprios, trazendo um grande problema, um grande risco à saúde pública",
explica o diretor executivo da Associação Brasileira de empresas de Limpeza
Pública, Carlos Silva Filho.
Nossa equipe
registra outro flagrante em Luziânia, Goiás, também no entorno de Brasília, com
160 mil habitantes. O Instituto Médico Legal da cidade atende oito municípios
da região. Segundo os catadores do lixão, uma vez por semana chega o lixo do
IML. “É ponta de agulha, calça, camisa, calçado”, conta Valdevino Rodrigues.
Também encontramos
muito resíduo de hospitais e clínicas. No local, havia ainda o filtro usado em
sessões de hemodiálise. Encontramos também uma grande quantidade de seringa e
agulha. O material é infectante, só que é jogado junto com o lixo comum. A máquina
vem e mistura tudo.
Sem saber que era
gravado, um funcionário do hospital municipal de Luziânia confirma.
Fantástico: Fica tudo misturado?
Funcionário: Tudo misturado.
Fantástico: Inclusive de cirurgia, de
centro cirúrgico?
Funcionário: Tudo. E depois vai lá para o
lixão.
À noite, o risco de
se machucar é bem maior. No meio do resto de lixo hospitalar, tem várias
agulhas, e o catador fica bem próximo, sem luva, sem nenhuma proteção.
Entre os resíduos
hospitalares, há um plástico considerado valioso. “É a chamada mangaba branca.
É o produto mais caro que tem aqui”, conta um catador. Ele revela que vende a
R$ 2 o quilo e quem compra são as empresas de reciclagem.
As normas de saúde
proíbem que esse tipo de material seja reciclado sem antes ser desinfectado.
Para ser reciclado, o plástico é derretido. Esse processo elimina a
contaminação. “O resíduo é submetido a um processo de altas temperaturas.
Nessas altas temperaturas, as bactérias e os vírus são exterminados”, diz o
diretor executivo da Abrelpe, Carlos Silva Filho.
“O resíduo já
tratado está triturado e não permite a reutilização na função original dele.
Está completamente descaracterizado”, aponta diretor da empresa de tratamento
de resíduos, Celso Guido Braga.
“A coleta do lixo
hospitalar é separadamente. Provavelmente, por falta de equipamento. O nosso
trator ficou de 10 a 15 dias estragado e ficou fora do lixão. Pode ter
acontecido de ter sido misturado”, declara o secretário de Meio Ambiente de
Luziânia, Télio Rodrigues.
Sobre o lixo do
IML, o secretário de Meio Ambiente de Luziânia diz que não tem o que fazer:
“Infelizmente, o único local para acomodar o lixo é irregular”.
Agora vamos para o
Sudeste e para o Sul do Brasil. No mês passado, em Tapejara, no Paraná, a
polícia descobriu um depósito clandestino com quase 100 toneladas de lixo
hospitalar. A empresa que armazenava os resíduos foi multada em R$ 150 mil.
Também no mês
passado, um caminhoneiro foi preso em flagrante quando descarregava lixo
hospitalar em Belford Roxo, no Rio de Janeiro. “Peguei nos hospitais”, revela o
motorista.
Perto do lixão há
um rio. “É um crime ambiental pertinente a essa conduta é punido com reclusão
de um a quatro anos. Está sendo alimentado com investigação que pretende
estabelecer quem está se aproveitando do dinheiro público que deveria ser
investido ao descarte regular desse lixo hospitalar”, afirma o delegado Fábio
Pacífico.
Em nota, a
prefeitura de Belford Roxo disse que não autoriza o despejo de lixo hospitalar
no aterro e que está averiguando as irregularidades. “Não deve chegar em
lixões. O resíduo deve chegar em aterro sanitário devidamente e previamente
tratado e acondicionado”, afirma a gerente de tecnologia em serviços de saúde
da Anvisa, Diana Carmem Oliveira.
Queimar resíduos
hospitalares apenas com álcool comum não é suficiente para eliminar a
contaminação. Mas foi o que nossa equipe encontrou no Nordeste, em Itabaiana,
no estado de Sergipe, com 86 mil habitantes. “São coisas que acontecem às
vezes, que fogem da gente, mas a gente tem a obrigação de corrigir”, declara o
prefeito de Itabaiana, Luciano Bispo.
Foi em Aracaju, a
capital sergipana, que flagramos lixo hospitalar sendo enterrado, sem nenhum
tratamento. Registramos tudo, passo a passo. Primeiro, os resíduos saem do
Hospital Estadual de Urgência, um dos principais de Sergipe. Depois, tudo é
jogado no lixão da cidade. “Totalmente ilegal. Não existe licença dos órgãos
ambientais responsáveis e é uma atividade que está se tornando pior e medidas
precisam ser adotadas”, aponta a promotora de Justiça Adriana Ribeiro Oliveira.
Em nota, a empresa
que faz a coleta do lixo hospitalar em Aracaju disse que foi contratada apenas
para recolher e transportar os resíduos até o aterro. O lixão de Aracaju fica a
cerca de 4,5 quilômetros do aeroporto. A lei determina que, por segurança,
aterros e aeroportos devem ficar separados por pelo menos 20 quilômetros.
Nossa equipe
sobrevoou a área e viu o perigo de perto. Há muitos urubus. Desde 2005, o
Ministério Público pede o fechamento do lixão. Desse período até agora, houve
26 colisões entre aviões e aves na região. Só este ano, foram 12. A prefeitura
de Aracaju diz que tem um projeto pronto de um novo aterro, mas falta a licença
ambiental.
A presidente da
Empresa Municipal de Serviços Urbanos, Lucimara Passsos, afirma que, se o lixão
for fechado, não tem onde por lixo.
“O que não dá para
permanecer são as duas situações no mesmo local. Ou fecha o aeroporto ou fecha
o lixão”, afirma o promotor de Justiça Carlos Henrique Siqueira Ribeiro.
O destino agora é
São Paulo. Durante a apuração dessa reportagem, nossa equipe esteve em cinco
dos principais hospitais públicos da capital paulista. Encontramos
irregularidades no Hospital São Paulo, um dos mais importantes da rede pública,
ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Em uma área, fica o
lixo contaminado, que depois é recolhido em caminhões próprios. Até então, está
tudo aparentemente correto. Já no depósito de lixo comum, havia um saco com
líquido, aparentando ser sangue.
Nossos produtores
conversam com um funcionário da limpeza do Hospital São Paulo. Eles mostram o
soro sendo descartado no lixo comum. E o funcionário diz está surpreso.
“Ele tem
características de lixo hospitalar. Ele tem seringas e cateteres. Não deveria
estar no lixo comum”, aponta o professor Arlindo Philippi Junior, da Faculdade
de Saúde Pública da USP.
Procuramos a
direção do Hospital São Paulo. Em nota, disse que não existe descarte de lixo
infectante com o comum e que esse tipo de resíduo é acondicionado em local
apropriado e isolado.
Diante de tantos
riscos para a saúde pública, qual seria a solução? Para o Ministério do Meio
Ambiente, a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, que entrou em vigor em
dezembro passado, pode ajudar.
Até 2014, os lixões
devem ser substituídos por aterros sanitários devidamente organizados e
fiscalizados. “É um problema histórico que, para ser resolvido, vai levar
alguns anos. Certamente, há contaminação do solo, do subsolo e do meio ambiente
de uma forma mais geral. Portanto, é um problema ambiental bastante grave”,
destaca o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do
Meio Ambiente, Nabil Bonduki.