“Já sabemos o que está errado. Falta fazer”, ressalta André Trigueiro
Por Raíza Tourinho
Foto: Divulgação
O jornalista André Trigueiro não para. Entre palestras, as aulas no curso de jornalismo ambiental, idealizado por ele, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), a apresentação do Jornal das Dez e a chefia da edição do premiado Cidades e Soluções, ambos da Globo News, o jornalista está lançando seu quarto livro Mundo Sustentável 2 – novos rumos para um planeta em crise (editora Globo Livros, R$ 44,90).
Nas 400 páginas de papel reciclado certificado, é possível encontrar reportagens do jornalista veiculadas na Globo News e na Rádio CBN, artigos publicados em diversos veículos de comunicação, além de textos inéditos de diversos especialistas, entre eles, nomes como Adalberto Veríssimo, Roberto Schaeffer, Samyra Crespo, Sérgio Abranches e Suzana Khan.
Programado para ser uma atualização do livro Mundo Sustentável: Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação, a publicação vai além ao abordar os desafios da maior crise ambiental da história da humanidade. Para Trigueiro, o livro está mais bem acabado do que o primeiro. “Superou as expectativas”, afirma. Os direitos autorais da obra foram cedidos para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que completa 50 anos de serviço voluntário de apoio emocional e prevenção do suicídio.
Nessa entrevista, concedida por telefone ao EcoD, o jornalista fala sobre o livro e ainda sobre as expectativas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o avanço da consciência socioambiental na política e no jornalismo, a liderança internacional do Brasil na questão ambiental e os principais desafios da área.
EcoD: No dia 6 de janeiro, você lançou publicamente o seu quarto livro. Como foi a receptividade?
André Trigueiro: Foi fantástica, uma tsunami verde de gente, de todos os matizes ideológicos, políticos e espirituais. Esse evento demonstrou que a sustentabilidade consegue aglutinar forças que não são propriamente iguais. Mas que não são opostas por isso, são apenas diferentes.
EcoD: O livro é uma coletânea de artigos seus e teve a participação de 35 especialistas. Como foi o processo de produção?
Trigueiro: O projeto original era para ser uma edição revista e atualização do livro Mundo Sustentável: Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação, lançado em 2005. Ano passado, me chamou a atenção que o livro ainda estava em catálogo e com boa vendagem. Mas eu estava constrangido porque em seis anos muita coisa nova aconteceu e o livro, em alguns aspectos, estava datado. Esse trabalho superou as expectativas e no final percebemos que, na verdade, trata-se de um novo livro. A colaboração dos especialistas é inédita. Eu acho que este livro está melhor acabado do que o de 2005.
Livro é composto de papel reciclado e certificado/Foto: Divulgação
RIO+20
EcoD: Essa nova edição foi inspirada na Rio+20?
Trigueiro: Não era essa a intenção. O livro era para ter sido lançado há dois meses, mas houve um atraso no processo de revisão. Quando o livro ficou pronto, percebi que, pela multiplicidade de temas importantes na área do universo socioambiental, ele contempla a agenda da Rio +20 sem ter sido essa a intenção original.
EcoD: E o que o senhor espera da cúpula?
Trigueiro: (Suspiro). Eu espero que seja algo mais do que uma terapia de grupo, em que todo mundo diga como deseja a mudança, o que precisa ser feito, mas não sacramente uma posição, nem assuma compromisso. Porque o diagnóstico já existe, todo mundo sabe o que deve ser feito. O mundo tem pressa nas medidas efetivas. Esse é o risco da Rio+20: ser mais um cúpula onde vai haver os discursos mais emocionantes e não se consiga acelerar o processo. Esse é o grande desafio. Não podemos sair da cúpula como a gente entrou.
EcoD: Muitos especialistas temem que seja uma cúpula que somente analise o que foi feito nos últimos 20 anos, desde a Rio 92…
Trigueiro: Pelo que eu entendi, a pauta é discutir o que seria uma economia verde e procurar promover um encontro das expectativas do terceiro setor, que se reúne antes para formatar propostas para os chefes de estados. Daí para frente não se sabe o que vai acontecer. Mas não podemos esperar que a Rio+ 20 seja uma grande conversa sobre 20 atrás, a gente tem que avançar. O que é incrível é que já sabemos o que está errado e o que precisa ser feito. Falta fazer.
Reunião da Comissão Nacional da Rio+20/Foto: MRE
DESAFIOS NACIONAIS
EcoD: A conferência acontecerá no Brasil em meio algumas polêmicas sobre políticas ambientais consideradas como retrocesso, como a possível aprovação do novo Código Florestal. Quais são os principais desafios ambientais do país?
Trigueiro: Uma questão você já levantou, nós temos ainda uma dúvida sobre o que será o texto do novo código florestal. Ele ainda passa por uma última etapa no Congresso antes de ir à sanção presidencial. A presidente Dilma já disse que o Novo Código não será o dos sonhos dos ruralistas, mas também não será aquele considerado o ideal pelos ambientalistas. O que vai ser ela não disse. Há uma expectativa nesse sentido. É importante que a gente faça esse link entre o código florestal e as metas que o Brasil assumiu voluntariamente, formatadas em lei, de redução de emissões de gases estufas através da redução do desmatamento. Tenho a convicção de que a presidente Dilma tem essa preocupação, de que como anfitrião (da Rio+20) não podemos aprovar um novo código que coloca em risco o cumprimento de uma lei. Ele não pode significar a redução das áreas vegetadas do Brasil.
EcoD: E além do código?
Trigueiro: Os outros quesitos eu acho que a gente avança. Nós temos no Brasil a vantagem estratégica de ter uma matriz energética majoritariamente renovável. É preciso consolidar essa posição e manter a meta de não sujar com mais combustível fóssil a nossa matriz. O Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo no incremento da energia eólica nos últimos anos. É uma referência na área do biocombustível, etanol e biodiesel. E o Brasil precisa, enquanto megaprodutor de petróleo com a descoberta pré-sal, ser referência em segurança. Todo o protocolo de segurança que envolve que a exploração do petróleo nessa camada requer a atenção, porque há lacunas importantes. Uma delas, diz respeito ao papel da Agência Nacional do Petróleo (ANP). As agências reguladoras foram criadas para ter autonomia, funcionar sem a tutela do Estado. A partir do Governo Lula, elas tiveram o seu poder de agência esvaziados. Alguns especialistas denunciam uma fragilidade no arcabouço jurídico para uma ação firme de monitoramento e fiscalização das petroleiras no Brasil. E isso é um problema. A gente precisa ter uma clareza sobre o papel dessas agências.
EcoD: De certa forma, tivemos recentemente um vazamento que evidencia isso…
Trigueiro: Quais dos três? Nas minhas contas, foram ao menos três vazamentos recentemente…
EcoD: O do próprio pré-sal.
Trigueiro: Não, mas antes, sem ser pré-sal que é mais preocupante pois a complexidade é maior, teve o vazamento da Chevron e o de outra companhia na Baía de Ilha Grande. Os três têm em comum o fato de terem acontecido muito próximo uns dos outros e as circunstâncias, principalmente nos dois primeiros, não devidamente esclarecidas. É muito importante termos a vigilância, a sociedade se dá conta de que a atividade de petróleo é arriscada em todo o mundo. Talvez não se tenha feito todos os esforços necessários para reduzir ao mínimo esse risco.
Vazamento da Chevron/Foto: Ag. Brasil
EcoD: Recentemente o brasileiro Braúlio Dias foi indicado para assumir o cargo de secretário de biodiversidade da ONU, demonstrando o reconhecimento da intenção brasileira de liderança internacional na questão ambiental. O país está preparado para assumir esse papel?
Trigueiro: Com certeza. O mundo mudou. Esse mundo, que a gente vê na geografia institucional da ONU, caducou. O Brasil se destaca pelo seu território, população e economia como um país que tem uma vocação natural para assumir um papel mais importante do aquele que lhe foi atribuído no pós-guerra. É perfeitamente compreensível esse protagonismo.
EcoD: Há muito que se fala sobre o equívoco que é o modelo de consumo desenfreado. Na semana passada, um relatório do Ipea destacou que o crescimento econômico não pode ser fundado nos recursos naturais. Está havendo uma mudança de consciência real ou ainda se enxerga a preservação ambiental como marketing?
Trigueiro: Há uma mudança de consciência. Agora, é importante que essa mudança seja percebida nas diretrizes da política econômica. Fico satisfeito em perceber que cresce o número de economistas que ousam desafiar o pensamento econômico prevalente, o qual ainda insiste em demonstrar que não há limite para capacidade dos ecossistemas suprirem a humanidade de matéria-prima, energia e água. Economia pensa muito em fluxo, mas não pensa em estoque.
INFORMAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE
EcoD: Na análise que fez da mídia no seu livro Meio Ambiente no Século XXI, o senhor afirmava que a avalanche de informações perturbava a capacidade de discernir o que é essencial. Esse quadro já mudou? Como o senhor avalia a cobertura ambiental nesses últimos anos?
Trigueiro: Eu acho que houve um agravamento com um novo gênero de vício, que é a internet. Nós temos um problema: de tão fantástica que é a capacidade de se comunicar rapidamente com tanta gente através das redes sociais, muitas pessoas não tem controle desse processo e passam longas horas no computador, o que exaure a capacidade de elaborar a compreensão da realidade. Nesses últimos dez anos, tivemos fatores de dispersão agravados.
Eu não gosto de usar expressão jornalismo ambiental. Eu não sou jornalista ambiental, eu sou jornalista interessado nos assuntos da sustentabilidade. Parece que o jornalismo em si não contempla ou não deveria prestar muito atenção assuntos ambientais, porque disso cuida o jornalista ambiental. Esse fracionamento não é, para mim, real. Esse esquartejamento não deixa compreendermos uma realidade sistêmica. Se a gente começa a fechar o foco em fragmentos, a compreensão dessa realidade se dilui.
Os jornalistas, progressivamente, estão começando a entender que meio ambiente não se reduz a bichinho e floresta. Já há uma percepção que quando se discute uma pauta ambiental, estamos discutindo um modelo de civilização, ética no desenvolvimento, qualidade de vida, saúde e bem-estar, o direito de todos os seres. Estamos evoluindo, estamos conseguindo perceber que nem tudo é possível explicar no lead. E que existem meios no texto jornalístico de aludir à visão sistêmica.
“Os jornalistas estão começando a entender que meio ambiente não se reduz a bichinho e floresta”
EcoD: O jornalismo ambiental, ao defender a preservação ambiental, quebra o dogma da parcialidade, tão defendido nos cursos de comunicação. A sociedade estranha o “tomar partido” jornalístico?
Trigueiro: Há questões sobre as quais os jornalistas devem ser parciais. Não é possível, no jornalismo, a gente achar que a corrupção tem dois lados: um bom e um ruim. Portanto, dentro da linha editorial de um veículo de comunicação, jamais será possível tolerar qualquer acolhimento da corrupção como uma ideia possível, uma prática perdoável. Segundo exemplo: a escravidão. Ainda existe escravidão no Brasil e no mundo. Não há dois lados da escravidão. Em qualquer circunstância, ela é abominável e deve ser condenada. O mesmo se aplica aos assuntos da sustentabilidade. Se a gente entende sustentabilidade como condição da nossa sobrevivência em um planeta com recursos finitos, teremos que repactuar a maneira como nos relacionamos com a natureza. Nesse sentido, sustentabilidade é a senha para que possamos todos viver nesse mundo, inspirados no que Gandhi disse: “A terra possui o suficiente para garantir a necessidade de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens”. Sendo assim, não é possível condenar a ideia da sustentabilidade. Se não reconfigurarmos os modelos, vamos perecer.
EcoD: Você acredita que ainda dá tempo de evitar esse ecocídio?
Trigueiro: Nós não somos suicidas. A história mostra que o ser humano sempre avançou com muito vagar em direção a uma consciência mais acurada da realidade, mas a gente sempre mudou rápido quando o que estava jogo era nossa sobrevivência. Porque aí não tem discussão. De uma forma ou de outra, a gente vai alcançar o objetivo. A forma ideal é não esperar acontecer o pior para mudar. A gente deve deixar de priorizar o lucro imediato, a acumulação absurda de bens e recursos no menor tempo possível, que é o mantra do capitalismo. A outra maneira é pela dor, pela escassez. E não é justo que seja assim porque já temos um estoque de conhecimento, de tecnologia, suficiente para dar esse salto.
Postado por Daniela Kussama