Jeremy Hance, do Mongabay
Dezessete grandes cientistas e quatro organizações
conservacionistas aclamadas pediram por uma ação radical para criar um mundo
melhor para essa e as futuras gerações. Compilado por 21 ganhadores do
prestigioso Prêmio Planeta Azul, um novo artigo recomenda soluções para alguns
dos problemas mais prementes do mundo, incluindo as mudanças climáticas, a
pobreza e a extinção em massa.
O documento, intitulado Environment and Development
Challenges: The Imperative to Act, foi apresentada recentemente no
encontro do conselho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em
Nairóbi, Quênia.
O Prêmio Planeta Azul é dado para “realizações notáveis em
pesquisa científica e suas aplicações que ajudaram a oferecer soluções para
problemas ambientais globais”. Apelidado por alguns de Prêmio Nobel para o meio
ambiente, o prêmio inclui ganhadores como o ambientalista James Lovelock, o
biólogo Paul Ehrlich, o físico Amory Lovins, o economista Nicholas Stern e o
climatologista James Hansen, os quais contribuíram para o relatório.
“O sistema atual está falido”, disse o climatologista Bob
Watson, ganhador do Planeta Azul em 2010 e instigador do relatório. “Está
levando a humanidade a um futuro que será 3-5 graus Celsius mais quente do que
o que nossa espécie já conheceu, e está eliminando a ecologia da qual
dependemos para nossa saúde, riqueza e autoconhecimento. Não podemos assumir
que soluções tecnológicas chegarão suficientemente rápido. Em vez disso,
precisamos de soluções humanas. A boa notícia é que elas existem, mas os
tomadores de decisão precisam pensar no futuro para aproveitá-las.”
O ambicioso estudo surge apenas alguns meses antes da Conferência Rio+20: O Futuro que Queremos, uma reunião ambiental global que acontece 20 anos depois da Cúpula do Rio. No entanto, expectativas para uma ação real na cúpula Rio+20 foram atenuadas pelo lançamento de um rascunho de acordo fraco e, de acordo com críticos, que permite que as nações mais uma vez façam promessas vagas.
Por sua vez, os premiados pelo Planeta Azul pedem que o mundo
reduza rapidamente suas emissões de gases do efeito estufa, troquem o PIB
(produto interno bruto) por uma medida mais holística de bem-estar nacional,
desassociem a destruição ambiental do consumo, reduzam os subsídios para
combustíveis fósseis e práticas agrícolas ambientalmente destrutivas, coloquem
um valor de mercado em serviços de biodiversidade e ecossistema, trabalhem com
movimentos de base para criar uma ação de baixo para cima, e finalmente,
combatam a superpopulação.
“Se queremos atingir nosso sonho, o momento para agir é agora,
dada a inércia no sistema socioeconômico e o fato de que os efeitos adversos
das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade não poderão ser revertidos
por séculos ou serão irreversíveis”, escreveram os autores.
Declarando que “o sistema está falido e nosso caminho atual não
realizará [o sonho de um mundo melhor]”, os autores apontam que “a civilização
se depara com uma perfeita tempestade de problemas direcionados pela
superpopulação, consumo excessivo pelos ricos, uso de tecnologias ruins para o
ambiente e grandes desigualdades”. O que piora a situação, segundo os
cientistas e ambientalistas, é o “mito” perigoso de que “economias podem
crescer para sempre”.
Uma nova economia para um novo milênio
A atual economia global deve ser transformada de um modelo de
crescimento para um modelo de sustentabilidade que leve a natureza em conta,
argumentam os cientistas.
“Já que a maioria dos bens e serviços vendidos hoje não consegue
suportar os custos ambientais e sociais de produção e consumo, precisamos
atingir um consenso sobre metodologias para precificá-los apropriadamente”,
escreveram os cientistas.
Muitos dos recursos naturais do mundo são finitos (minerais,
combustíveis fósseis, água) e os que são renováveis (florestas, pesca,
alimentos) são facilmente exauríveis quando mal administrados e podem mesmo ser
destruídos inteiramente. Por isso, de acordo com o relatório, os economistas
precisam redefinir os capitais em questão para refletir quais estão baseados na
natureza e quais estão baseados nos humanos.
“Os governos deveriam reconhecer as sérias limitações do PIB
como medida de atividade econômica e complementá-lo com medidas das cinco
formas de capital, físico, financeiro, natural, humano e capital social, ou
seja, uma medida de riqueza que integre dimensões econômicas, ambientais e
sociais”, argumenta o documento. Os cientistas admitem que a transição será
difícil, mas é necessária.
“Há uma necessidade urgente de quebrar a ligação entre a
produção e o consumo e a destruição ambiental. Isso pode arriscar os padrões
materiais de vida por um período que nos permitiria superar a pobreza mundial.
Um crescimento material indefinido em um planeta com recursos naturais finitos
e frequentemente frágeis seria, no entanto, eventualmente insustentável”,
escreveram eles.
Ainda assim, embora tal ação possa exigir a eliminação gradual
de algumas práticas industriais e econômicas, outras indústrias verdes poderiam
preencher as lacunas, fornecendo empregos e estabilidade.
“O custeio de externalidades ambientais poderia abrir novas
oportunidades para um crescimento verde e empregos verdes”, escreveram os
autores, acrescentando que “o uso eficiente de recursos (por exemplo, de
energia e água) economiza dinheiro para empresas e famílias. Valorizar e criar
mercados para serviços ecossistêmicos pode oferecer novas oportunidades econômicas.
Uma economia verde será a fonte de futuros empregos e inovações”.
O que está ficando no caminho de tal transição? O relatório
alerta que as atuais alianças entre governos e grandes corporações está minando
a habilidade da sociedade de mudar práticas costumeiras.
“A natureza internacional da maioria do setor corporativo
envolvido no uso de recursos naturais significa que mesmo os governos dos
países nos quais elas estão sediadas têm uma habilidade limitada para
influenciar suas ações e decisões”, escreveram eles, adicionando que a
dependência atual nos combustíveis fósseis “constitui muitos dos problemas que
enfrentamos hoje”.
Para ter sucesso, os governos devem ser transformados em todos
os níveis, os pesquisadores afirmam.
“Em nível local audiências públicas e auditorias sociais podem
trazer as vozes de grupos marginalizados para a linha de frente. Em nível
nacional, a fiscalização parlamentar e midiática é chave. Globalmente, devemos
achar meios melhores para aprovar e implantar medidas para atingir metas
coletivas.”
Mas embora todos os interessados devam estar envolvidos, os
cientistas argumentam que movimentos de base, o ativismo de baixo para cima e
programas locais devem receber mais poder.
“Há uma necessidade de expandir as ações de base, unindo
abordagens complementares de cima para baixo e de baixo para cima para resolver
esses problemas.”
A crise climática
A fim de combater as mudanças climáticas globais, o estudo
recomenda uma estratégia dual de aumentar drasticamente a eficiência energética
e desenvolver as energias renováveis e a captura de carbono em larga escala.
“Geralmente, os países em desenvolvimento localizados nas áreas
tropicais do mundo podem se beneficiar mais das tecnologias de energia solar
[...] Nos países industrializados com um consumo muito alto de energia per
capita, medidas de eficiência energética podem ser muito eficazes”, escreveram
os autores, acrescentando que em países em desenvolvimento “o progresso
econômico pode ser atingido através da adoção antecipada de tecnologias de
eficiência energética em vez de adotar tecnologias obsoletas que gerarão
problemas que terão que ser resolvidos mais tarde.”
Eles observaram que as fontes limpas poderiam fornecer 75% da
energia em muitas partes do mundo, e 90% nos trópicos, até 2050.
“A principal tarefa é expandir, reduzir custos e integrar as
renováveis nos sistemas energéticos futuros. Cuidadosamente desenvolvidas, as
energias renováveis podem oferecer benefícios múltiplos, incluindo empregos,
segurança energética, saúde humana, meio ambiente e mitigação das mudanças
climáticas”, registra o estudo.
Quanto à captura e armazenamento de carbono, os autores ainda
têm mantêm a esperança apesar de uma série de dificuldades: “a principal tarefa
é reduzir custos e atingir um aperfeiçoamento tecnológico rápido”, adicionando
que esperam “que uma série de projetos piloto pelo mundo demonstrem sua
viabilidade”.
Embora os cientistas reconheçam que a adaptação aos impactos das
mudanças climáticas é uma necessidade, eles escrevem que “a estratégia de
adaptação mais eficaz é a mitigação a fim de limitar a magnitude das mudanças
climáticas”.
Curiosamente, os pesquisadores observam que uma pessoa pode um
cético das mudanças climáticas e ainda ver os grandes benefícios da energia
limpa.
“Uma transição para uma economia de baixo carbono faz sentido e
faz dinheiro por muitas outras razões convincentes [para além de mitigar as
mudanças climáticas]. A China, por exemplo, está liderando a eficiência global
e as revoluções em energia limpa não por causa dos tratados internacionais e
convenções, mas para acelerar seu próprio desenvolvimento e para melhorar a
saúde pública e a segurança nacional”, escreveram os autores.
Vida na Terra
Cortar as emissões de gases do efeito estufa rapidamente é a
solução geral para as mudanças climáticas, mas salvar a vida na Terra da
extinção é menos simples.
“A biodiversidade – a variedade de genes, populações, espécies,
comunidades, ecossistemas e processos ecológicos que compõem a vida na Terra –
sustenta os serviços ecossistêmicos, sustenta a humanidade, é fundamental para
a resistência da vida na Terra e é parte integrante do tecido de todas as
culturas do mundo”, escreveram os autores do documento.
A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos também sustentam a
economia global, observam eles, embora isso tenha sido quase que inteiramente
negligenciado por nosso atual modelo econômico.
“Os benefícios que os ecossistemas oferecem ao bem-estar humano
são historicamente fornecidos sem custo, e a demanda por eles está aumentando.
Embora o valor econômico global dos serviços ecossistêmicos possa ser difícil
de medir, ele quase certamente rivaliza ou excede o produto interno bruto
global agregado, e os benefícios ecossistêmicos frequentemente superam os
custos de sua conservação”, escreveram os cientistas.
Eles sugerem uma mudança rápida do “método de exploração de
recursos do desenvolvimento convencional para o método de enriquecimento de
recursos do desenvolvimento sustentável” no mundo em desenvolvimento.
Atualmente, o desenvolvimento em países mais pobres geralmente
implica em projetos industriais de larga escala com grandes pegadas ambientais:
mineração, corte de madeira, barragens, exploração de combustíveis fósseis,
construção de auto-estradas etc.
”O valor dos serviços ecossistêmicos e do capital natural deve
ser incorporado na contabilidade nacional e em processos de tomada de decisão
em todos os setores da sociedade, o acesso a benefícios ecossistêmicos e custos
de conservação de ecossistemas devem ser compartilhados igualmente, e serviços
de biodiversidade e ecossistemas devem ser vistos como o componente mais
fundamental do desenvolvimento econômico verde”, escreveram os cientistas.
De acordo com o documento, a perda de serviços ecossistêmicos
logo atingirá a economia global na ordem de US$ 500 bilhões por ano. Por isso,
os cientistas pedem que todos os países adotem “um sistema nacional de
contabilidade de riqueza inclusivo, que abarque a contabilidade de serviços
ecossistêmicos importados e exportados, o que poderia estimular mais abordagens
para o desenvolvimento de um mercado de serviços ecossistêmicos”.
Os autores também observaram que ganhar a batalha das mudanças
climáticas e a extinção em massa não é mutuamente exclusivo, porque o que ajuda
a biodiversidade frequentemente mitigará o aquecimento global, e vice-versa.
Por exemplo, os cientistas lançam seu apoio ao programa de REDD+ (redução das
emissões por desmatamento e degradação florestal), que propõe pagar às nações
tropicais para manterem suas florestas em pé.
Outro problema que está por trás do resto é a superpopulação. A
dramática explosão da população no último século colocou uma crescente pressão
sobre a biodiversidade, os recursos naturais, a produção de alimento e o clima.
Resolver a superpopulação por meios não severos ou compulsórios poderia
oferecer uma infinidade de benefícios sociais, além de diminuir nosso pedágio
ambiental.
“O problema da população deveria ser resolvido urgentemente pela
educação e o fortalecimento das mulheres, inclusive na força de trabalho e nos
direitos, propriedade e herança; pelos cuidados com a saúde de crianças e
idosos; e tornando a contracepção acessível a todos”, escreveram os cientistas.
Os premiados do Planeta Azul argumentam que as nações devem
parar de ver as questões ambientais como desconectadas, como problemas
isolados, já que, por exemplo, proteger os ecossistemas como florestas mitigará
as mudanças climáticas, diminuirá a dificuldade da adaptação climática e
preservará a biodiversidade, entre uma série de outros benefícios.
“Uma abordagem ecossistêmica compreensiva e integrada é uma
‘ferramenta’ poderosa para identificar, analisar e resolver problemas
ambientais complicados, em vez de dividir as abordagens em problemas ambientais
multifacetados que não funcionam”, concluíram os pesquisadores.
Um mundo melhor
O relatório não subestima a escala dos problemas enfrentados
pelas sociedades hoje, nem o pesado fardo que será transformar a economia
global, mas declara que o futuro será muito pior se uma ação não for tomada
rápida e decisivamente.
“Diante de uma emergência absolutamente sem precedentes, a
sociedade não tem escolha a não ser tomar uma atitude dramática para evitar um
colapso da civilização”, escreveram os cientistas. “Ou mudaremos nosso jeito e
construiremos um novo tipo de sociedade global, ou ele será mudado para nós.”
No final do túnel, no entanto, está um mundo melhor.
“Temos um sonho – um mundo sem pobreza – um mundo que é justo –
um mundo que respeite os direitos humanos – um mundo com um comportamento ético
maior e melhor a respeito da pobreza e dos recursos naturais – um mundo que
seja sustentável ambiental, social e economicamente, onde desafios como as
mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a desigualdade social tenham
sido resolvidos exitosamente.”
Traduzido por Jéssica Lipinski
Leia o original no Mongabay (inglês)
Leia o original no Mongabay (inglês)
(Instituto CarbonoBrasil)