08/07/2012 - 09:48
Empreendedores encontram no lixo
chance de negócio que não viam em matéria prima virgem. A partir de ideias
inovadoras e simples, eles mudam suas vidas apostando na transformação de
resíduos em lucro certo
Ana Clara Costa
A cada ano, cerca de 60 milhões de toneladas de lixo são produzidas em
solo brasileiro. Parte desses resíduos é coletada e reaproveitada por
cooperativas e grandes companhias de reciclagem e infraestrutura. Outra parte,
jogada no meio ambiente, transforma-se em suplício para comunidades carentes
que vivem próximas de lixões e aterros. Mas há ainda uma terceira parte que se
transforma em oportunidade para pequenos e médios empresários que enxergam no
lixo o início de um grande negócio. O site de VEJA conversou com empreendedores
que, a partir de ideias inovadoras e simples, mudaram suas vidas apostando na
transformação de resíduos em lucro certo e sustentável.
Não se trata apenas de benevolência ou vontade de salvar o planeta. O
que os empreendedores brasileiros começam a enxergar é que a possibilidade de
se iniciar um negócio a partir de resíduos é, em muitos casos, mais lucrativa
do que utilizar matéria prima virgem. Eles também preveem que o lixo se tornará
um ativo cada vez mais valioso. De acordo com um estudo do Sebrae, 46% dos
pequenos empresários pesquisados identificam oportunidades de ganhos com
resíduos – e 48,3% utilizam materiais reciclados em seu processo produtivo. “É
muito mais comum eles entrarem em negócios com resíduos por razões econômicas
do que pelo puro ato da sustentabilidade. O objetivo é o lucro”, diz
Carlos Silva Filho, presidente da Associação Brasileira das Empresas de
Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
A prosperidade que vem do lixo
Empresários lucram com soluções
criativas para reaproveitar materiais que seriam descartados
A caixinha que vira telha
João Trench Agnelli: suas telhas
retiram milhares de embalagens longa vida do meio ambiente
Em meados de 2007, os amigos Arthur
Goldemberg e João Trench Agnelli decidiram investir em um negócio próprio que
fosse ligado à reciclagem. Depois de muito pesquisar, ficaram fascinados pelo
processo de fabricação de telhas a partir de embalagens longa vida – mais
conhecidas como Tetra Pak, o nome de sua principal fabricante no país. Para
colocar a operação de pé, avaliaram o mercado e perceberam que só teriam
chances de montar uma empresa sólida se tivessem um parceiro de peso que
pudesse fornecer caixinhas usadas. Passaram dois anos tentando emplacar um
projeto com a Suzano Papel e Celulose para que ela fornecesse a matéria prima –
e conseguiram. Fecharam um contrato de exclusividade com a companhia, que prevê
a utilização de sua rede de coleta de papel para receber também as embalagens
descartadas no lixo. “Com isso, conseguimos estruturar nosso negócio de forma
mais equilibrada, já que o principal gargalo desse tipo de empreitada é a falta
de caixinhas”, diz Agnelli (que é filho do ex-presidente da Vale, Roger
Agnelli). Segundo ele, são necessárias 1.500 unidades de Tetra Pak para se
produzir apenas uma telha.
Após três anos de planejamento,
conversas e tentativas, a Ciclo Indústria e Comércio produziu sua primeira
telha em junho de 2011. Um ano depois, a produção alcança o patamar de 30 mil
telhas por mês e a previsão dos sócios é que chegue a 60 mil no início de 2013.
“Nem imaginávamos que fôssemos algum dia ultrapassar as 30 mil telhas. Não
esperávamos esse crescimento. Isso mostra que há muita demanda”, afirma
Goldemberg. Na opinião do empresário, o principal desafio é vencer o
preconceito do consumidor. “Muitos acham que, porque é feito de resíduo, não é
bom. Mas é justamente o contrário. São telhas mais resistentes e fazem parte de
um ciclo sustentável. Cuidamos para que não haja nenhum resíduo em todo o
processo de fabricação”, diz Goldemberg. Preconceitos à parte, as barreiras
parecem estar sendo vencidas. Em apenas um ano de operação, a Ciclo, segundo os
sócios, já se paga – e dá lucro. (Eles, no entanto, não quiseram informar o
valor dos ganhos.)
Não à toa, companhias do porte do
Bradesco e Itaú - que não pertencem ao setor de reciclagem - fazem leilões de
seu lixo eletrônico para empresas que o reciclam. “Esse tipo de descarte que
leva a um retorno passou a ser viabilizado em alguns nichos de negócio, mas não
é sempre que isso ocorre em grandes empresas. Depende muito da demanda por
aquele lixo e da viabilidade econômica que ele pode proporcionar”, afirma Silva
Filho. Segundo dados da Abrelpe, a geração de resíduos aumentou 1,8% em 2011 –
um porcentual que é superior à taxa de crescimento populacional do país, que
ficou em 0,9%. Ou seja, brasileiros consomem mais, descartam mais e reciclam
menos. Ainda de acordo com a associação, 6,4 milhões de toneladas de resíduos
sólidos deixaram de ser coletadas no ano de 2011 e acabaram depoistadas no meio
ambiente. Segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), o Brasil deixa de ganhar 8 bilhões de reais com reciclagem de resíduos
a cada ano.
Logística reversa – Outro ponto oportuno para empresários
que atuam nesse setor é a entrada em vigor da Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS), que foi lançada pelo governo em 2011. Ela prevê que toda a
sociedade (indústria, comércio, poder público e consumidores) será responsável
pelos produtos que produz e consome e, por consequência, pelo destino que eles
terão. Retirar, reutilizar ou neutralizar o impacto desse lixo no meio ambiente
é chamado de logística reversa. Dentro desse plano, estabelece-se também o fim
dos lixões a céu aberto.
Ainda que membros do próprio governo
não acreditem que o PNRS será cumprido à risca, como ocorre com o próprio Ipea,
que elaborou estudo crítico a esse respeito, a oportunidade está sendo criada.
“Eu pretendo até mesmo iniciar um novo negócio de coleta, desta vez com pneus,
porque haverá demanda”, aposta o empreendedor Paulino Andrade, que coleta
gratuitamente o lixo eletrônico de empresas e pessoas físicas, por meio de um
cadastro em um site na internet: o Cidadão Eco.
Carga tributária – Mesmo com a criação de soluções
inteligentes e lucrativas para o lixo, que têm reflexo positivo no meio
ambiente e na oferta de emprego, não há nenhum tipo de incentivo governamental
específico para o setor. Nos últimos meses, preocupado em tirar o país da rota
da crise financeira internacional, o Palácio do Planalto voltou-se, entre
outros setores, para a construção civil. Desde março, pisos laminados,
revestimentos e outros insumos contam com o benefício da redução do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI). Contudo, produtos semelhantes, mas
originários do lixo, não têm o apoio do estado – e seus fabricantes prosperam
unicamente por seus próprios esforços.
Em fevereiro, o senador Paulo Bauer
(PSDB-SC) foi um dos autores da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 1/2012),
que prevê que produtos elaborados a partir de material reciclado sejam isentos
de alguns impostos. O objetivo, segundo o senador, é motivar o empreendedorismo
no setor, já que a sustentabilidade por si só ainda não é uma razão suficiente
para dar velocidade à expansão de empresas desse nicho. Desde o início do ano,
o projeto tramita na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e
Fiscalização e Controle (CMA) do Senado.