por Marina Silva*
Marina Silva
Há 20 anos, na Rio-92, o apelo da menina Severn Suzuki para que os
chefes de Estado assumissem compromissos ambientais comoveu o mundo porque
fazia parte de um sentimento de esperança que contagiava a sociedade civil em
seu despertar para a possibilidade do desenvolvimento sustentável. Agora o
questionamento aos participantes da conferência da ONU Rio+20 veio da
neozelandesa Brittany Trilford, de 17 anos: Por que estão aqui, é para salvar
sua imagem, ou é para nos salvar?.
De nada adiantou o clamor da jovem ou das milhares de pessoas ao redor
do mundo, representadas nas ruas e manifestações do Rio de Janeiro. A
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável terminou sem
compromissos, sem metas, sem prazos, sem viabilidade, sem ter o que comemorar.
Foi uma pá de cal na memória da Rio-92, a mesma que deu frutos como A Carta da
Terra, a Agenda 21 e as Convenções do Clima, da Biodiversidade e da
Desertificação, acordos postos de lado, inviabilizados, procrastinados ou não
implementados pela falta de vontade e de meios.
Os próprios líderes que assinaram o documento da Rio+20 se revezam para
dizer que ele é insuficiente, mas que foi preciso dar prioridade ao consenso.
Consenso fácil, para adiar o inadiável. Infelizmente, as consequências de um
documento anódino podem ter sido muito duras também para as teses do
multilateralismo. Saiu vitoriosa a posição defendida nas duas últimas décadas
pelos EUA e adotadas na prática também por Índia, China e Rússia, de recusa a
submeter seus interesses a decisões multilaterais, uma das melhores formas de
se encontrar saídas para a grave crise ambiental que o mundo enfrenta. A
Europa, que durante 20 anos sustentou politicamente a defesa das virtudes do
multilateralismo, com um grupo de países, entre os quais o Brasil, não abriu
mão desse discurso no Rio, mas, ao mesmo tempo, pouco fez para garantir ações
coerentes com tal postura. Nada mais propício para essa política do que um
documento com vagos objetivos para o desenvolvimento sustentável, em que cada
país poderá traduzi-lo a seu modo e tempo, sem compromissos comuns. O resultado
lamentável da Rio+20 deve-se à trama de interesses que agiram persistentemente
desde a Rio-92 para que nenhuma mudança os afete ou possa vir a ameaçar sua
hegemonia geopolítica. A grande decepção, infelizmente, foi a recusa dogoverno
brasileiro em assumir a liderança inovadora que sua condição de potência
socioambiental lhe dá. Como bem avaliou o professor Eduardo Viola, da UnB, a
posição dos países foi extremamente conservadora, incluindo o Brasil.
Para ele, a Rio+20 foi um verdadeiro fracasso do ponto de vista de
acordos internacionais. Os governos continuam tendo no centro de suas
preocupações o crescimento econômico de curto prazo e separam, de fato, a crise
econômica da crise ambiental. Com isso, argumenta, %u201Co modelo de negociação
das conferências de cúpula das Nações Unidas, assim como das COPs, de mudança
climática, está esgotado, porque sempre dará como produto um resultado pífio,
baseado no consenso do mínimo denominador comum.
O Brasil entrou na conferência com sua autoridade na seara ambiental
esvaziada pelo episódio do Código Florestal. E só consolidou o mal-estar ao
tropeçar no discurso da união entre as questões ambientais e a pobreza, e ao
priorizar enfaticamente a propaganda de seu modelo de políticas sociais, sem
conseguir, de fato, explicar como ele é ou pode vir a ser também um modelo de
políticas ambientais. Não podendo ensinar ao mundo como superar a crise
financeira, mostra como driblá-la com medidas de estímulo ao consumo que
desconsideram critérios de sustentabilidade. Contentou-se em retirar do texto
final todos os compromissos, com submissão aos interesses da China e de outros
emergentes, e ainda demonstra irritação quando questionado por sua falta de
ousadia.
A cada dia, milhões de brasileiros assumem posições sobre a urgência do
desenvolvimento sustentável e a defendem nas ruas, nas aldeias, na internet e
até nas urnas. Lamentavelmente, a falta de posição leva algumas pessoas a
julgar que esses brasileiros estão fazendo apenas oposição. Mas a verdade é que
o governo está distante da vontade das ruas e desperdiçou a chance de propor
metas sustentáveis ao mundo, na Rio+20. Melhor fez a sociedade brasileira, que
tem dado repetidas demonstrações de que não quer dar marcha a ré, que prefere
não aparecer nas fotos dos acordos e consensos vazios. Nos intensos diálogos
com gente do mundo inteiro, reforçaram-se para uma nova fase da luta que, como
todos sabemos, virá e será renhida.
* Marina Silva é ex-ministra de Meio Ambiente.
** Publicado originalmente pelo jornal Correio Braziliense e retirado do
site minhamarina.org.br.
(Minhamarina.org.br)