24/07/2012 11:50:47
Ricardo Voltolini*
No final do ano passado, publiquei
no Facebook uma série de posts levemente irônicos à qual dei o título de “Sabe
quando sei que falta liderança sustentável numa empresa?”. À época, como
justificativa para as “pérolas” oferecidas aos fiéis, amigos e seguidores,
confidenciei que elas nasceram de observações da minha prática de consultor, e
que, até então, as havia compartilhado apenas com alunos de pós-graduação e
clientes, no âmbito restrito de aulas, workshops e palestras. Com a proximidade do segundo
encontro da Plataforma Liderança Sustentável, em 14 de agosto, muitos são os
que têm me indagado sobre as razões pelas quais decidi focar meu trabalho em
líderes de empresas. Costumo responder em duas partes. Na primeira, reforço o
óbvio – que empresas têm enorme poder no mundo atual e que, se queremos fazer
uma mudança para a sustentabilidade, não podemos ignorá-las. Na segunda, que
embora não consigamos definir liderança, sabemos exatamente quais são os
problemas originados por sua ausência ou escassez nas empresas. Isto vale – e
muito – para a sustentabilidade.
Sei que falta liderança sustentável
numa empresa, por exemplo, quando um diretor afirma a uma analista, com ar
sério: “Para com esse negócio de sustentabilidade e vamos trabalhar um
pouquinho, né?”.
Quando o vice-presidente me diz, sem
constrangimento, que sustentabilidade é importante, mas as medidas para garanti-la
na gestão do negócio podem ficar para o ano que vem, pois a empresa não se
encontra preparada para as mudanças necessárias. É certamente o que ele vai
dizer no “ano que vem”, simplesmente porque não quer aceitar as
responsabilidades – e os custos – da transição para um modelo mais sustentável
de negócio.
Quando o presidente diz, sem receio
de parecer arrogante, que sustentabilidade está no DNA da empresa desde que ela
nasceu e que, portanto, ela não precisa fazer mais nada para ser sustentável.
Esta é uma das frases que mais me provocam comichão. Pelo que tem de prepotente
e ingênua ao mesmo tempo. Estrutura-se na falsa ideia de que um tema
contemporâneo – como é a sustentabilidade, valor deste Século 21 – já venha
sendo praticado pela empresa há 50, 80 ou cem anos.
Quando quem deveria tomar a decisão
de mudança transfere a responsabilidade a alguém em posição hierárquica
inferior, normalmente a menina ou menino “da responsabilidade social”, um
profissional júnior lotado num departamento meramente funcional, sem qualquer
poder, que só vê o presidente uma vez ao ano, na festa de encerramento das
atividades do ano. A diferença entre sustentabilidade para valer e
sustentabilidade para constar está em quanto o tema encontra-se mais próximo de
quem toma decisões. Com os anos de experiência, aprendi a identificar o estágio
de sustentabilidade a partir do meu primeiro interlocutor. Mais próximo do
poder, mais avançado. Mais longe, menos avançado.
Sei que falta liderança sustentável
numa empresa quando o presidente cria um comitê de sustentabilidade e não
aparece nem na primeira reunião para deixar claras suas crenças e expectativas.
Este tipo de atitude, muito comum, revela dois problemas: (1) sustentabilidade
não é um tema suficientemente importante para que eu, líder, invista meu tempo
nele; (2) enquanto não tenho tempo para pensar em sustentabilidade, crio uma
instância interna para fazer de conta que estamos preocupados com o tema. Uma
pena. Comitês de sustentabilidade, quando bem liderados, podem ser extremamente
úteis e efetivos. E existem os que são, felizmente.
Quando o presidente da empresa
convence o marketing de que está na hora de botar sustentabilidade na imagem,
mas se esquece de convencer os colaboradores de que ela deve estar na cultura.
Lição aprendida nos últimos anos: primeiro a lição de casa, depois a
comunicação. E a comunicação dever ser feita, antes de tudo, para os
funcionários, colaboradores e parceiros. Se a empresa não consegue convencer os
mais próximos de que se preocupa com a sustentabilidade, como espera persuadir
os consumidores e a sociedade? As corporações que pularam essa lição, ainda
hoje amargam arrependimentos.
Quando mesmo depois de ser
apresentado, com detalhes, ao conceito de diversidade, o presidente continua
achando que isso não tem nada a ver com a “lógica” da empresa! Este mesmo
dirigente é o que precisa da “cola” de um assessor de imprensa para falar de
sustentabilidade em uma entrevista para uma revista de negócios. O mesmo que
diz em público que sustentabilidade está na “estratégia do negócio”, e no
privado, reclama com os mais próximos que ela representa só custo e desvio de
foco. O mesmíssimo que, diante de uma crise que aponta trabalho escravo na
cadeia de valor de sua empresa, afirma não ter responsabilidade nenhuma pelo
que acontece com empresas terceirizadas!
Sei que falta liderança sustentável
numa empresa quando pergunto a um diretor se a empresa tem uma política de
sustentabilidade integrada à estratégia de negócio e ele diz que sim, mas só
fala de projetos pontuais, localizados, periféricos e… completamente descolados
da estratégia de negócio na empresa.
Quando existe um discurso pródigo
sobre inovação em sustentabilidade e, na prática, nenhum ambiente favorável que
valorize as contribuições vindas das bordas, isto é, dos colaboradores,
fornecedores, clientes e comunidades.
Quando sai um presidente e o seu
substituto decide pisar no freio das iniciativas de sustentabilidade, colocando
no freezer ações que vinham ajudando a criar uma cultura para o tema na
corporação. Ah, é claro, ao tomar tais medidas, ele se apoia em argumentos
velhos conhecidos de guerra, como “reduzir custos”, “resgatar o foco” e
“concentrar energia no essencial”. Business as usual total, mas com um verniz
verdinho!
Quando a alta direção decide
concentrar o pensamento estratégico da sustentabilidade (isto mesmo, mas sem
essas palavras, claro!) no marketing, abrindo mão de construir ações de
transformação “da porta para dentro”, em detrimento de um bom discurso “da
porta para fora”!!!
Quando o principal dirigente diz –
entre os mais próximos, claro – que sustentabilidade “custa caro” e que só vai
investir em produtos sustentáveis quando o consumidor estiver disposto a “pagar
o preço” ou quando o governo oferecer algum tipo de “incentivo”…
Quando o diretor de sustentabilidade
apresenta, em público, com orgulho, a política de diversidade da empresa e, no
privado (numa impressionante demonstração de falta de coerência entre o pensar
e o agir), destila fel e preconceito contra mulheres, negros e homossexuais.
Quando a moça da responsabilidade
socioambiental me sabatina antes de começar uma reunião com o presidente da
empresa para me alertar sobre o que ele “gosta ou não gosta” de ouvir sobre
sustentabilidade… E ainda me pede para que eu seja breve, não passe de 15
minutos, já que ele não tem muita paciência para assuntos que não sejam “do
negócio”.
Juro, amigos, vivi e vivo essas
situações todos os dias. Espero que, ao dividi-las com vocês, entendam porque
decidi trabalhar com liderança sustentável. Afinal, sabemos o que significa
trabalhar numa empresa sem líderes com valores. E não me consta que estejamos
felizes com isso.
* Ricardo Voltolini é diretor
presidente da Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade
e autor de Conversas com Líderes Sustentáveis.
COMENTÁRIOS
Rogerio Godoy Princiotti24/07/2012 às 20:11
Ricardo
Excelente tema.
Trabalhei em muitas empresas e me identifiquei com a questão pela falta de liderança sustentável numa empresa.
A liderança/alta direção perde muito por não investir parte do seu tempo em sustentabilidade.
Nas experiências, observei que no momento de obter selo verde, certificação ISO 14001, parece que tudo muda e a mobilização é geral, mas passado este momento ninguém fala mais do assunto. É uma pena porque o momento que seria oportuno para um trabalho de educação ambiental continuada é interrompido porque outras prioridades tomam lugar.
Trabalhei em muitas empresas e me identifiquei com a questão pela falta de liderança sustentável numa empresa.
A liderança/alta direção perde muito por não investir parte do seu tempo em sustentabilidade.
Nas experiências, observei que no momento de obter selo verde, certificação ISO 14001, parece que tudo muda e a mobilização é geral, mas passado este momento ninguém fala mais do assunto. É uma pena porque o momento que seria oportuno para um trabalho de educação ambiental continuada é interrompido porque outras prioridades tomam lugar.
Um grande abraço
Parabéns