Se depender da nova regulamentação de transporte de produtos perigosos, as resoluções 3665/2011 e 3762/12 (que altera e revoga alguns requisitos da primeira), da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que passam a vigorar a partir de 7 de maio, o atendimento aemergências químicas deverá ser encarado com mais seriedade por empresas trans-portadoras e expedidoras (a indústria ou os distribuidores químicos). Isso porque a resolução passou a incluir, entre suas exigências legais, a determinação de que no local dos acidentes se façam presentes, da forma mais imediata possível, técnicos dessas empresas.
Embora pareça óbvio esperar que os responsáveis pela carga estejam no local do sinistro para prestar o atendimento necessário, e também se tenha conhecimento de que órgãos ambientais mais ativos, como a Cetesb, de São Paulo, já levem esse fato em consideração, a resolução 3665 (no seu capítulo III) passa a lembrar as autoridades que elas têm embasamento legal para autuar e calibrar o valor de suas multas conforme a conduta de expedidores e transportadores durante as ocorrências.
“A partir de agora, com a nova resolução, todos os órgãos ambientais tenderão a levar em conta a proatividade das empresas no acompanhamento das emergências”, afirmou o advogado ambiental Marco Antonio Gallão, especializado no assunto. O artigo 31 (cap. III) da resolução determina que fabricantes ou expedidores sejam convocados pelas autoridades para atender ou dar apoio no local do acidente. O não-comparecimento dos convocados implica multa imediata da ANTT de R$ mil para o transportador e de R$ 700,00 ao expedidor. Mas o pior vem a seguir, segundo a avaliação jurídica de Gallão. “A determinação embasa as agências ambientais no sentido de graduar as autuações na faixa de valor prevista na Lei de Crimes Ambientais, que podem ir de R$ 5 mil a R$ 50 milhões”, disse o advogado especializado em processos ambientais ligados à indústria e ao transporte químico. “Ou seja, quanto menos proativa for a empresa no atendimento das emergências, quanto mais tempo ela levar para atender ao chamado das autoridades, maior será a multa”, complementou.
A preocupação da ANTT de cobrar a responsabilidade de expedidores e transportadores visa a combater o mau hábito do mercado de se eximir nessas horas, deixando o encargo nas mãos de empresas especializadas contratadas para dar atendimento a emergências. “Com todo o respeito que elas merecem, essas empresas são lixeiros especializados, eficientes apenas para remover os contaminantes do local. Elas não têm condições de fazer todo o resto do atendimento”, disse Marco Antonio Gallão.
A presença de técnicos ou de pessoal especializado no local, como está agora na resolução 3665, e seguindo a linha de raciocínio do advogado, é imperativa para que o atendimento da emergência abranja todas as suas demandas, que não
são apenas a remoção do contaminante. “O responsável pela carga conhece melhor do que ninguém os riscos do seu produto e é o único que pode prestar a assistência adequada, por exemplo, para a comunidade atingida pelo acidente”, explicou.
Além disso, segundo Gallão, será a indústria que retirará o Cadri (Certificado de Aprovação de Destinação de Resíduos Industriais) e destinará o resíduo para o tratamento adequado, que coordenará o transbordo para outro tanque, que contratará uma pá carregadeira, desalojará, atenderá e indenizará populações atingidas e por aí vai. “É por essas e outras que, mesmo se não forem chamados pelas autoridades, técnicos da indústria e da transportadora precisam ir o mais rápido possível para o local do sinistro”, disse.
Na Cetesb é assim – O detalhamento da exigência na nova resolução, aliás, é apenas para lembrar o que a legislação ambiental brasileira já determina indiretamente desde 1981, pela lei 6938, visto que por ela o poluidor é responsável civilmente, com ou sem culpa, por inde-nizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. Tanto é assim que o órgão ambiental paulista, a Cetesb, já leva há muitos anos em consideração o envolvimento dos expedidores e transportadores (ambos responsáveis de forma compartilhada pelos acidentes) para fiscalizar e aplicar multas durante ocorrências de atendimento a emergências químicas ocorridas no estado. “Sempre atuamos assim, cobrando a presença e a ação dos responsáveis, independentemente das resoluções da ANTT”, explicou o gerente do setor de atendimento a emergências químicas da Cetesb, Jorge Luiz Nobre Gouveia.
Com viaturas e equipes de plantão 24 horas, na matriz da agência em São Paulo (onde há um centro de controle de desastres e emergências), e outros sistemas semelhantes de atendimento espalhados por agências regionais por todo o estado, a Cetesb se encaminha para os locais de acidentes para avaliar o cenário ambiental e exigir dos responsáveis as medidas a serem adotadas para recuperar a área. “Nosso papel é de controle das ações e lógico que será levada em conta a proatividade dos infratores quando, numa etapa posterior ao nosso atendimento, forem geradas as multas”, disse Gouveia. “É claro que a demora e a displicência dos responsáveis podem ser agravantes.”
O gerente faz questão de ressaltar a importância da presença de embarcadores, transportadores e destinatários das cargas no local, principalmente porque sua experiência prática na área o convence de que, ao deixar o atendimento apenas na mão de prestadores de serviços de emergência, o risco ambiental do acidente pode ser agravado. “A resposta ao acidente precisa ser mais imediata e também com pessoal mais capacitado e equipamentos mais adequados para transferir o produto que não vazou e para embalar o que foi derramado no solo ou corpo d’água”, disse. E essa resposta, segundo ele, só é possível quando o atendimento conta com a participação de todos os envolvidos e não apenas com as prestadoras de serviços do ramo de emergência química. Segundo Gouveia, é comum a Cetesb se deparar com o despreparo técnico no primeiro atendimento feito por essas empresas.
A Cetesb, por responsabilidade, nunca interfere na área acidentada, apenas a isola e monitora a ação dos responsáveis. Somente havendo a necessidade, e principalmente a urgência, a companhia pode atuar na contenção e limpeza da área, visto ser equipada e capacitada para tal. “Mas é lógico que aí cobraremos dos responsáveis, pois esse não é nosso papel, pelo contrário, estamos ali para obrigá-los a agir de forma que protejam o meio ambiente e a população”, explicou.
Em 2011, foram registradas 407 emergências químicas no estado paulista, 52,3% delas provenientes do transporte rodoviário e o restante da indústria (7,4%), do descarte (6,4%), do modal ferroviário (3,7%) e o resto em postos e dutos de combustíveis. Trata-se até de uma redução no número, tendo em vista que em 2010 foram registradas 461 emergências. Para monitorar melhor os indicadores das ocorrências, a Cetesb publica anualmente um extenso relatório sobre as emergências, disponibilizado em seu site (www. cetesb.sp.gov.br).
Dentro do alto índice de acidentes rodoviários, disparado o maior causador de problemas desde que o órgão passou a monitorar os sinistros, há a predominância de acidentes com produtos inflamáveis, responsável por uma média de 45% dos atendimentos. Mas há também casos ainda mais graves, como um ocorrido em 2006, na rodovia Régis Bittencourt, no município de Juquiá-SP, quando o tombamento de uma carreta transportando gás amônia (da ex-Fosfertil, atualmente Vale Fertilizantes, de Cubatão-SP) provocou o vazamento do produto gasoso bastante perigoso (extremamente irritante e corrosivo quando inalado e aos olhos).
Nesse acidente, além da morte do motorista, 30 famílias precisaram ser desalojadas e realocadas por causa da névoa do contaminante formada na região. Além disso, animais de criação e domésticos foram mortos e um bananal foi afetado pelo gás. A empresa, segundo informações do mercado, foi bastante proativa no atendimento. Por fim, foi multada em R$ 180 mil (um valor não muito alto em vista da gravidade), mas precisou desembolsar R$ 2 milhões no atendimento.
Melhorias no serviço – Apesar de haver o consenso entre especialistas e legisladores de chamar embarcadores, transportadores e destinatários das cargas para assumir a responsabilidade nos acidentes, a presença das empresas prestadoras de serviços, desde que bem feita, continua sendo importante. Até mesmo porque ter um contrato com uma delas é uma exigência do Sistema de Avaliação de Segurança, Saúde, Meio Ambiente e Qualidade (Sassmaq), sistema criado pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) para qualificar transportadores químicos.
A Ecosorb, por exemplo, é uma dessas empresas e, segundo revelou o seu diretor-presidente, Vladimir Ranevsky, vem procurando aperfeiçoar tecnicamente seu atendimento, hoje concentrado em operações onshore na costa brasileira e em quatro bases montadas em terminais de portos que também podem socorrer emergências rodoviárias dentro do raio de atuação e quando há operações intermodais de seus clientes. “Somos mais fortes nas emergências com hidrocarbonetos, mas estamos contratando gente especializada, com formação técnica, para garantir um atendimento qualificado na emergência química, o que realmente é uma carência no mercado”, explicou Ranevsky.
A Ecosorb possui 18 bases espalhadas
por sete estados brasileiros, sendo quatro delas em rodovias (Rio, São Paulo,
Santa Catarina e Paraná), com pessoal e equipamento especializado
para atendimento a emergências químicas rodoviárias. No momento, também a base do Porto do Rio Grande, no Rio
Grande do Sul, passa por investimento de R$ 300 mil, entre equipamentos e
treinamentos, para adequar o local com a mesma expertise. Apesar do foco em
atividades portuárias, em contenção de vazamentos marítimos,
barreiras de contenção e cerco a embarcações em operações de carga e descarga,
a intermodalidade leva a empresa a ampliar sua oferta.
Ranevsky: novo produto para absorver
vazamentos
Recentemente, aliás, a empresa lançou
um novo produto, o Ecospounge, um absorvente, segundo Ranevsky, mais eficiente
do que as turfas naturais comercializadas pela empresa. Trata-se de
desenvolvimento com outra empresa brasileira – cuja composição natural é
mantida em segredo – que tem a capacidade de encapsular o contaminante e não
soltar mais, criando um substrato hidrofóbico e biodegradável. É disposto em
pequenos flocos, quando para uso no mar, ou em pó, para o solo. “É melhor do
que usar a turfa, que se torna um resíduo classe 2 depois de absorver o óleo,
porque o Ecospounge se decompõe”, explicou.
O produto, já aprovado pelo Ibama,
para ser bem-sucedido não precisa apenas demonstrar ser uma opção melhor do que
a turfa, ainda o carro-chefe da Ecosorb. Infelizmente, segundo o presidente da
Ecosorb, também necessita superar o mau hábito do mercado, prin-cipalmente
indústrias, de usar produtos improvisados, como o pó de serragem e a areia para
absorver produtos vazados. “Fica muito mais barato, mas eles não absorvem;
apenas se agregam ao contaminante, gerando um resíduo muito maior para ser
destinado, que pode ainda contaminar o solo”, disse. A prática é mais comum
dentro de fábricas, principalmente as do ramo químico, ainda não muito
conscientes nesse aspecto.
Pró-Química – Assim como toda a cadeia envolvida no atendimento, um outro braço
importante para as operações de emergência química no Brasil também está precisando se aperfeiçoar. Trata-se do
Pró-Química, sistema de informações e comunicações desenvolvido pela Abiquim,
que funciona para todo o país por meio de atendimento por telefone
(0800118270), durante 24 horas, todos os dias da semana, por meio do plantão de
quatro bombeiros devidamente treinados para auxiliar em emergências químicas.
Shizuo: Abiquim reestrutura o sistema
de informações PróQuímica
Essa é a opinião do gerente de gestão
empresarial da Abiquim, Luiz Shizuo Harayashiki. “Os bombeiros são excelentes
no atendimento por telefone, mas estamos trabalhando para tornar o sistema mais
ágil e também para dar maior visibilidade pública ao serviço”, disse. O
primeiro gargalo será combatido por meio de recursos de informatização; o
segundo, utilizando as ferramentas que a propaganda e o marketing podem
oferecer. “Ele não é tão difundido quanto poderia ser”, completou Harayashiki.
A central de atendimento funciona
atualmente de uma forma padrão. O bombeiro, ao receber a chamada, obtém os
dados do produto envolvido e transmite as informações necessárias para que
sejam tomadas as primeiras providências no local do acidente, a fim de
minimizar as consequências. Após isso, a central entra em contato com o
fabricante, o transportador e as entidades públicas (Corpo de Bombeiros, órgãos
ambientais, polícia de trânsito) para avisá-los sobre a ocorrência e solicitar
a presença deles no local. Faz parte ainda do trabalho acompanhar o socorro,
via telefone, até o término da ocorrência e, por fim, elaborar um relatório
sobre cada emergência para gerar as estatísticas e criar um banco de dados para
consulta pública.
Em 2011, o Pró-Química recebeu 16.662 chamadas, das quais 762 eram de fato emergências e incidentes. O modal rodoviário, como sempre, foi o maior responsável pelos acidentes, acumulando 473 casos no ano passado, contra 24 do modal ferroviário e 27 do marítimo e ainda quatro do aéreo. Analisando as tabelas dos relatórios do sistema de 2011, também se nota que há um grande número de ligações para dirimir dúvidas técnicas e sobre legislação. Embora não conste definido como tal nas estatísticas, os trotes também são comuns. Triste saber que ainda há gente que não leve a sério aemergência química. E não só ao se pensar naqueles que passam os inconsequentes trotes por telefone, mas também em todos os participantes da cadeia de erros que leva ao acidente.