segunda, 1 de Outubro de 2012 às 21:37 ·
De vez em quando aparecem na imprensa e na Internet notícias sobre
categorias de trabalhadores apelando para a inclusão no seu salário do
adicional de insalubridade: são garis, garçons, serventes, faxineiras,
padeiros, cozinheiras, merendeiras, operadores de telemarketing, ou seja, o
adicional de insalubridade virou muito mais um paradigma nacional de
gratificação salarial do que de compensação por um trabalho sob condições
expostas a um agente nocivo e sob determinadas condições de exposição. O
assunto saiu dos ambientes industriais, entrou pelo comércio, serviços e acabou
no serviço público, sem que se veja nenhum demérito nessas atividades, é bom
afirmar logo.
O assunto volta a dominar os debates na área de SST, desde quando
recentemente o Ministério do Trabalho colocou em Consulta Pública, até o
dia 29 de outubro, o texto técnico básico de revisão da Norma Regulamentadora
Nº 15 que trata sobre atividades operacionais insalubres. O objetivo da norma é
definir diretrizes e critérios para a caracterização e controle dos riscos para
prevenir danos ou agravos à saúde dos trabalhadores.
E agora, no dia 26/09/12, um deputado apresentou um projeto de Lei
determinando que Trabalhadores que vivem de atividades ligadas aos serviços de
limpeza, asseio e conservação e de coleta de lixo podem ganhar um adicional de
insalubridade.
Ao mesmo tempo em que multiplicam-se essas reinvindicações, a Justiça do
Trabalho ajuda a difundir e consolidar essa mentalidade, emitindo
jurisprudência concedendo adicional de insalubridade em diversas reclamações
trabalhistas. Por exemplo, o TST reconheceu o direito ao adicional de
insalubridade em grau máximo para uma trabalhadora que fazia limpeza de
banheiros em estabelecimento de ensino, baseado em um laudo
pericial. Observa-se ainda que na maioria das diversas reinvindicações não
se pensa na “insalubridade”, mas, exclusivamente no “adicional” e em uma futura
“aposentadoria especial”.
O resultado é que a NR-15 vai perdendo a sua eficácia e é possível que a
sua revisão esteja relacionada não apenas à defasagem dos limites de tolerância
mas tambem à multiplicação de jurisprudência que concede legitimidade do
adicional a situações que não estão previstas na NR-15, esvaziando a sua força
legal.
Será que a NR-15 vai recuperar sua eficácia como referência legal na
Justiça do Trabalho? Será que entramos na era da “banalização da
insalubridade”?
Observamos que o trabalho, na sua definição básica, indica que é a
medida do esforço feito pelos seres humanos e que a insalubridade é definida
como a medida da hostilidade do ambiente de trabalho a quem o executa.
Entretanto, nenhum esforço é feito sem dispêndio de energia e desgaste, e
assim, praticamente qualquer trabalho vai encerrar algum tipo de hostilidade ou
“insalubridade”. Entretanto, essa “hostilidade” pode ser muito subjetiva.
Alguem trabalhando em algo “pesado” (digamos, na agricultura) pode considerar
esse trabalho menos hostil do que alguem que executa um trabalho supostamente
“leve” (um escritório) mas pressionado por metas impossíveis de dar conta. Ou
seja, são necessários parâmetros mais consistentes e isso foi introduzido em
segurança e saúde no trabalho através das definições de limites de tolerância e
tempo de exposição aos diversos agentes de risco presentes nos ambientes de
trabalho. Mas mesmo assim, a questão ainda é discutível, visto que os
parâmetros muitas vezes são determinados por instituições a serviço das
próprias empresas.
Pode-se considerar, em um sentido amplo, que qualquer trabalho que seja
prejudicial à saúde, causando doença, é passível de ser denominada atividade
insalubre. Entretanto, é de se indagar: toda atividade prejudicial à saúde é
definida na legislação como insalubre?
HISTÓRICO
O adicional de insalubridade foi criado no Brasil no ano de 1936,
pela Lei 185 de 14 de janeiro e tinha por princípio ajudar os trabalhadores na
compra de comida. A justificativa era de que pessoas bem alimentadas
seriam mais resistentes às doenças.
A idéia já havia sido refutada na Inglaterra e Estados Unidos nos anos
de 1760 e 1830, mas aqui ela evoluiu através de sucessivos dispositivos legais.
São mais de 75 anos de pagamento do adicional de insalubridade consolidando-se
na Constituição de 1988.
Ou seja, o Brasil optou pela compra da saúde do trabalhador. O trabalho
em condições perigosas também foi legitimado pela criação do adicional de
periculosidade, no valor correspondente a 30% (trinta por cento) do salário do
trabalhador, através da Lei n. 2.573, e isso em 15 de agosto de 1955.
A Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807, de 26 de agosto de
1960) expandiu o caráter de monetização do risco do trabalho no Brasil com a
instituição da aposentadoria especial para os trabalhadores que trabalhassem 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos em serviços penosos, insalubres
ou perigosos.
Constata-se, portanto, de acordo com o que se vê na legislação que há
historicamente um incentivo das atividades de risco, ou seja, estimula-se o trabalho
em condições de risco com o aumento da remuneração (adicionais) e a concessão
precoce da aposentadoria. Consolidou-se no Brasil a “cultura da insalubridade”.
O aspecto mais problemático é que com o adicional estabelece-se um
contrato trabalhista de compra e venda da saúde. O comprador reconhece que não
tem controle dos riscos ambientais existentes nos locais de trabalho e se torna
responsável pelas agravos à saúde do trabalhador. E o vendedor (trabalhador)
aceita ir adoecendo ao longo do tempo em troca de uma migalha a mais no seu
salário.
Finalmente, pergunta-se se o empresário pagar o adicional, ele pode
deixar o ambiente de trabalho insalubre? E os trabalhadores realmente
expostos a situações de grave insalubridade vão se aposentar em boas condições
de saúde ou acabam morrendo antes da aposentadoria?.
Observe-se que para alguns sindicatos de trabalhadores, “Insalubridade
não é salário. Tem que ser extinta, porque é prejudicial à saúde e não um
benefício como se pensa”, enfatiza o presidente do Sindimetal. Já o
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Mauro César Pereira, aponta a
insalubridade como um atentado à saúde do trabalhador. “Não é um
benefício. É um modo de compensar os riscos de se trabalhar em ambiente
insalubre”.
A NR-15
Na NR-15 o adicional de insalubridade deveria ter um caráter de ônus
temporário ao empregador pela verificação de condições insalubres que deveriam
ser neutralizadas dentro de um determinado prazo. Mas não é o que ocorre, na
prática. As empresas não conseguem implantar tecnologia de redução de riscos e
os trabalhadores querem o adicional de qualquer maneira.
Entretanto, na prática, as empresas, em razão da necessidade de grandes
investimentos em tecnologias que reduzam e/ou eliminem as condições de riscos,
preferem eternizar o pagamento do adicional de risco em detrimento da
segurança, higiene e saúde do trabalhador. Ou seja, na prática, o item relacionado
à eliminação da insalubridade continua praticamente como uma obrigação
figurativa:
O QUE DIZ O PPRA
A questão da insalubridade deveria ser, em primeiro lugar, analisada sob
a perspectiva da NR-9 (PPRA). Abrindo a pasta da NR, encontramos no Remissivo
um dos itens mais importantes da legislação que deveria ser avaliado por
qualquer instância judicial, antes de se pensar em insalubridade (O
Desenvolvimento do PPRA). Observe que a NR-9 enfatiza uma cadeia completa
de tratamento do risco, sem qualquer consideração sobre insalubridade.
Somos o país da gratificação, uma cultura que medrou num ambiente de
baixos salários, exploração e más condições de trabalho, além do
assistencialismo do Estado, e assim, todo mundo busca ganhar o adicional com
qualquer justificativa, principalmente através de norma legal, imposta pelo
Estado. Criam-se adicionais, gratificações e penduricalhos salariais, numa
cultura típica de compensação da precarização.
Provavelmente é por essa razão que a própria Justiça do Trabalho tenta
compensar essa precariedade inerente ao Trabalho, criando jurisprudência para
uma infinidade de situações que não estão contempladas na NR-15, e assim
distribuindo a “justa insalubridade” “para todos”. E quem não ganha
se acha discriminado, como se a insalubridade fosse um patamar de “excelência
salarial”. E muitos juízes acabam se achando de fato “agentes de transformação
social”.
Entretanto, essa “cascata” de jurisprudência vai criando, na verdade,
uma grande insegurança técnica entre os profissionais de SST ao lado da
progressiva desmoralização da NR-15 que não se torna mais a referência
confiável no assunto. O resultado é um maior custo, enfraquecimento do SESMT e
a sensação generalizada de que insalubridade é uma “gratificação”. Além disso,
decisões judiciais sobre insalubridade são conflitivas entre si, causando mais
confusão. Para cada situação, um Juiz aqui entende que há insalubridade, outro
acha que não, e o TST acha uma coisa ou outra.
Ao chegar no serviço público, a questão da insalubridade aumentou a
confusão, visto que a própria Administração pública determina o pagamento de
percentuais fora dos critérios da própria NR-15. O problema acabou
entrando na legislação dos Estados e Municípios, cada um legislando a seu modo.
O adicional de insalubridade tornou-se até mesmo bandeira política de
candidatos a cargos eletivos.
UMA CRISE DE JURISPRUDENCIA?
Verifica-se que os dispositivos regulamentados pelo Ministério do
Trabalho estão sendo cada vez mais ignorados na Justiça, que decide de acordo
com a interpretação de um Juiz, o que é ou não insalubre. De fato, o Juiz não
está adstrito a um laudo pericial para decidir, mas é necessário coerência com
um ordenamento jurídico padrão, que parece obsoleto à maioria das cortes. O que
se discute é o progressivo distanciamento da referência legal até mesmo pela
maioria dos técnicos, comprometendo assim a confiabilidade do seu trabalho. O
enquadramento legal permite uma abordagem mais técnica e leva em consideração
não apenas um agente nocivo mas o tipo de atividade desenvolvida pelo
empregado no curso de sua jornada de trabalho, observados os limites de tolerância,
as taxas de metabolismo e respectivos tempos de exposição.
Até há pouco tempo, o fato de atividade do reclamante não estar incluída
entre aquelas previstas como insalubres no quadro elaborado pelo Ministério do
Trabalho desobrigaria o empregador ao pagamento do adicional, por força do
disposto no art. 195, da CLT, mesmo quando constatada pela perícia a existência
de agente prejudicial no ambiente de trabalho do obreiro. Mas não é o que está
ocorrendo com a multiplicação de jurisprudência concedendo o adicional a
trabalhadores que exercem atividades não previstas na NR-15.
O problema da insalubridade foi ficando ainda mais confuso após a
Constituição de 1988, quando se buscou definir qual o parâmetro para calcular o
adicional e isto acabou sendo motivo de uma polêmica jurídica, que envolveu o
TST e o STF: afinal, é o salário mínimo ou é o salário básico? acabou que o
salário mínimo continuará sendo o referencial até que uma legislação específica
seja desenvolvida, mesmo que isso seja inconstitucional. Ou seja,
existe de fato um conflito, uma crise. Além disso, o Congresso ainda não se
preocupou para criar uma legislação específica para o trabalho, determinada na
própria Constituição, o que tambem alimenta os conflitos. Outra polêmica:
havendo insalubridade e periculosidade simultâneas, qual o adicional que o
trabalhador deve escolher? ou seja, vai-se aumentando a complexidade do
acessório e desprezando-se o essencial.
PERÍCIAS
De qualquer forma, mesmo diante desse quadro preocupante, reveja o que
deve ser observado em uma perícia para caracterização de insalubridade.
Na perícia, o perito judicial verificará, de forma técnica, em
consonância à Norma Regulamentadora nº 15 e anexos:
a) as condições de trabalho depreendidas pelo Reclamante;
b) o local em que o Reclamante desempenhava suas funções;
c) o tempo de exposição ao eventual agente insalubre;
d) e o fornecimento, pela Reclamada, e a utilização, pelo Reclamante, de
EPIis (Norma Regulamentadora nº 6), que poderiam diminuir ou suprimir a
exposição ao agente nocivo à saúde. Por derradeiro, o perito judicial apontará
se o adicional de insalubridade é ou não devido. Caso devido indicará em laudo
pericial o grau de exposição e o adicional incidente (10%, 20% ou 40%).
QUEM PAGA O PREJUÍZO
Quem paga o prejuízo é o país inteiro, são todos os contribuintes.
O engano da insalubridade tem elevado as contas do INSS, segurador e
responsável pelo pagamento das aposentadorias especiais. Não é à toa que as
Instruções Normativas que disciplinam a concessão desse “benefício” ficaram
rígidas nos últimos anos, a ponto das empresas mudarem os critérios de
avaliação dos riscos ambientais, área tradicionalmente regulamentada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego.
Estatísticas do INSS revelam que, em média, entre 2005 e 2009, foram
registradas cerca de 24.700 ocorrências relacionadas com doenças ocupacionais e
mais de 120 mil trabalhadores foram afastados dos locais de trabalho, com a
saúde comprometida. Considerando que esses números refletem apenas o universo
de trabalhadores formais, pode se imaginar que a população realmente atingida
por doenças ocupacionais é bem maior, entre três e quatro vezes o número
oficial.
Está em curso no Congresso Nacional um projeto de lei que majora os
adicionais de insalubridade, alterando a base de cálculo para o salário base do
trabalhador ou da categoria. Isso deve causar grande impacto na folha de
pagamentos das empresas.
Por outro lado, algumas decisões judiciais recentes
têm tratado dessa questão da monetarização da saúde, exigindo medidas de
controle dos riscos ambientais ao invés do pagamento do adicional de
insalubridade.
Concluindo, três quartos de século foram dedicados ao pagamento do
famigerado adicional de insalubridade, ou melhor dizendo, na compra da saúde do
trabalhador. Para aqueles que defendem a prevenção, de um modo geral, o
adicional de insalubridade é um atestado de incompetência profissional e um
grande constrangimento institucional.
ALTERNATIVA
O aspecto mais salientado e que provavelmente seria mais benéfico para o
trabalhador que labora em condições de risco seria a redução da jornada de
trabalho e na vedação da prorrogação de jornada. Comenta-se que “a
redução da jornada é a saída ética para enfrentar a questão. Em vez de reparar
com dinheiro a perda da saúde, deve-se compensar o desgaste com o maior período
de descanso, transformando o adicional monetário em repouso adicional. A menor
exposição diária, combinado com um período de repouso mais dilatado, permite ao
organismo humano recompor-se da agressão, mantendo-se a higidez. Essa
alternativa harmoniza as disposições constitucionais de valorização do
trabalho, colocando o trabalhador em prioridade com relação ao interesse econômico”.
No mesmo sentido, José Luiz Ferreira Prunes comenta que “a legislação
entendeu em estabelecer um adicional salarial, para compensar a falta de
salubridade de alguns serviços. Optou pela compensação monetária, quando
deveria escolher a menor exposição do operário aos agentes nefastos. Melhor
teria sido, para a saúde do trabalhador, que os horários fossem reduzidos em
10%, 20% ou 40% da jornada de trabalho”.
Prof. Samuel Gueiros, Med TrabAuditor Fiscal, Auditor OHSAS
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Fonte: Blog NRFACIL